A necessária luta anti-imperialista

Assistimos diariamente à continuidade da crise capitalista e ao seu expoente máximo, o imperialismo norte-americano.

Esta situação aprofunda a ideia de que o actual sistema mundial é instável, caótico, põe em perigo a paz mundial e não pode ser mantido no tempo tal como o conhecemos.

A concentração da riqueza, a desigualdade, a exclusão, a fome e o desemprego, juntamente com os efeitos das alterações climáticas, a distribuição injusta e especulativa dos recursos para aliviar a pandemia do VIH/SIDA e a escalada bélica provocada pela NATO, colocam-nos perante o desafio urgente de encontrar formas de ultrapassar as condições impostas pelo capital financeiro globalizado que está a conduzir toda a humanidade para o abismo.

Esta situação complexa ocorre no meio de uma “naturalização” da pandemia, com milhares de contágios e mortes que continuam a ocorrer em todo o mundo.

Uma pandemia que não tem apenas, como sabemos, consequências sanitárias e económicas, mas também sobre a subjectividade, sobre o tecido social e político, cujas dimensões estão ainda por conhecer em profundidade.

Neste contexto, as provocações dos EUA e da NATO contra a Federação Russa desencadearam o conflito na Ucrânia, um conflito que continua e tem perspectivas perigosas para toda a humanidade, e através do qual procuram enfraquecer a projecção de uma ordem multilateral e afectar a Rússia como potência e como principal aliado estratégico da República Popular da China.

Temos de ter sempre presente a ameaça que representa a expansão e o crescimento permanentes da NATO em direcção à fronteira russa após o colapso da URSS. Em 1991, a NATO tinha 19 membros, hoje tem 30 e aspira a uma maior expansão.

Com base em acções como esta, os EUA, enquanto líderes de um sistema capitalista em crise, procuram sustentar a sua hegemonia questionada, o seu domínio unipolar abalado, com provocações, desestabilizações e intervenções militares, como têm feito constantemente ao longo do século XX e deste século XXI.

Nesta estratégia, a manipulação levada a cabo através dos meios de comunicação social e a falsificação da história que conduziu a esta situação desempenha um papel central.

A partir da América Latina e das Caraíbas, espaços historicamente vitais para os EUA na construção da sua hegemonia mundial, podemos dar amplos exemplos destas políticas de ingerência, levadas a cabo pelos EUA e seus aliados, através, por exemplo, das sanções unilaterais aplicadas contra Cuba e a Venezuela, das agressões à Nicarágua, da promoção constante de políticas desestabilizadoras no quadro dos chamados “golpes suaves” e dos “golpes de Estado”. e dos seus aliados, através, por exemplo, das sanções unilaterais aplicadas a Cuba e à Venezuela, das agressões à Nicarágua, da constante promoção de políticas desestabilizadoras no quadro dos chamados “golpes de Estado suaves” e da ocupação das Malvinas, das Geórgias do Sul e das Ilhas Sandwich do Sul e das zonas marítimas circundantes, onde se encontra uma base da NATO, administrada pelo Reino Unido.

Actualmente, está a ser disputada no mundo uma nova ordem internacional. Uma disputa entre o unilateralismo e o multilateralismo.

Neste contexto, as relações com a China, a Rússia e os blocos e acordos que estão a promover política, comercial e financeiramente, surgem para os países da América Latina e das Caraíbas como alternativas às pressões e condições dos EUA e das organizações internacionais que controlam, como o Fundo Monetário Internacional.

Insistimos que, para analisar a dimensão e as características da ofensiva imperialista sobre a América Latina e as Caraíbas, é preciso ter em conta o contexto mundial em que ela se desenrola, marcado pela continuidade da maior crise da história do capitalismo.

Uma crise que engloba aspectos financeiros, energéticos, culturais e económicos, com fortes consequências em termos humanitários, ambientais e alimentares para uma grande parte da humanidade.

Estes factores, no seu conjunto, constituem uma única grande crise, abrangente e multifacetada: a crise civilizacional do capitalismo, perante a qual temos de construir uma alternativa anticapitalista e anti-imperialista.

Esta crise, embora tenha o seu centro nos EUA, não é apenas um fenómeno americano com impacto no resto do mundo, mas é também um processo global e sistémico, cujos efeitos se manifestam em todo o globo.

Face aos discursos negacionistas, é importante, neste contexto, sublinhar a continuidade do sistema imperialista, mesmo em crise, tendo em conta que as características essenciais do imperialismo continuam a existir.

As cinco características fundamentais do imperialismo identificadas por Lenine: a concentração da produção e do capital, a fusão do capital bancário com o capital industrial, o predomínio da exportação de capitais sobre a exportação de mercadorias, a disputa pela distribuição dos mercados à escala mundial entre os grandes oligopólios apoiados pelos seus Estados e a repartição territorial do mundo entre as grandes potências, “conservam a sua validade, embora a sua morfologia não repita necessariamente a que as caracterizava há um século”, como destaca Atilio Boron no seu livro A América Latina na geopolítica do imperialismo (Boron, 2014).

Estes têm uma forte penetração no nosso continente e, apesar das posições insistentes e interessadas que recorrentemente procuram estabelecer a ideia de que a América Latina é uma região que não tem grande relevância na política norte-americana, é de facto a região geopoliticamente mais importante para os Estados Unidos.

Isso coloca em evidência a recorrência histórica e a urgência e importância da luta anti-imperialista em todo o mundo e na América Latina em particular.

É que, para além, como dissemos, dos discursos ainda em voga sobre o desaparecimento do imperialismo, este continua a ser a fase superior do capitalismo, como afirmara Lenine, e na sua insaciável necessidade de aumentar a pilhagem dos bens comuns e das riquezas de todo o planeta, adquire características cada vez mais predadoras, agressivas e violentas.

O ressurgimento de sectores neo-fascistas em todo o mundo é um sinal claro disso mesmo.

Estas acções demonstram que os discursos “negacionistas” sobre a persistência do imperialismo e que promovem uma possibilidade reformista, acabam por ser funcionais às tentativas de reafirmação, sob novas condições, desta dominação.

Um ponto central nesta abordagem negacionista é entender o imperialismo como um factor puramente externo e não reconhecer as suas manifestações dentro de cada país através das suas classes dominantes, parceiros e componentes fundamentais.

Os EUA colocaram a competição pelos recursos naturais no centro do seu planeamento estratégico, o que faz com que o imperialismo redobre os seus esforços para manter a sua influência na América Latina, tendo em conta o fracasso da sua política de instalação de uma ordem internacional unilateral após a queda da URSS, o tão apregoado “século americano”.

O aprofundamento da cooperação entre Moscovo e Pequim através do Tratado de Amizade e Cooperação e de Boa Vizinhança, nas esferas política, económica, militar, energética, científica, tecnológica e de segurança regional e global, juntamente com o reforço das organizações regionais asiáticas, como a Organização de Cooperação de Xangai, os BRICS e a concretização da sua expansão com os BRICS “plus”, de que a Argentina será membro de pleno direito em 2023, e o projecto da “Belt and Road” ou nova “Rota da Seda”, são sinais de alerta para os EUA, que estão a agir em conformidade.

O esquema do novo tabuleiro mundial está em jogo, as aspirações dos EUA estão ameaçadas, num processo que David Harvey (2012) descreveu como “crise em movimento”, o que dá uma ideia da magnitude global da mesma e que, para além dos momentos de acalmia que esporadicamente podem ser alcançados nalgum ponto do planeta, geram simultaneamente um aprofundamento da crise noutros, demonstrando a natureza sistémica da mesma.

Estas tensões ocorrem no quadro de uma “globalização” que, como indicou Aníbal Quijano (2000), “é, em primeiro lugar, o culminar de um processo que se iniciou com a constituição da América e a do capitalismo colonial/moderno e eurocêntrico como novo padrão de poder mundial”. Deste modo, o colonialismo, sob o qual se estabeleceu o controlo do trabalho, configurou a distribuição geográfica de cada uma das formas integradas no capitalismo mundial, decidindo a geografia social do capitalismo através da qual se articularam todas as outras formas de controlo do trabalho, dos seus recursos e dos seus produtos.

Com o padrão de poder mundial centrado nos Estados Unidos, esta divisão do trabalho ao nível das regiões continua a ser estruturada com base num centro que, ao mesmo tempo que vê a sua hegemonia corroída, absorve cada vez mais recursos para sustentar um nível de consumo impossível em troca da pilhagem das regiões fornecedoras desses recursos, renováveis ou não.

Neste sentido, o imperialismo norte-americano tem vindo a utilizar uma combinação múltipla na sua contra-ofensiva à Nossa América: reforço militar e ameaças permanentes com a proliferação de bases militares, combinadas com uma bateria mediática e cultural que procura “normalizar” e “naturalizar” a penetração militar e o domínio ideológico sobre os nossos povos, territórios e correspondentes bens naturais estratégicos.

Os desafios que isto representa para os comunistas de todo o mundo impõem-nos agir com determinação e audácia e reajustar os espaços de integração regional. Na disputa pelo multilateralismo que se está a desenvolver, os comunistas, os revolucionários de todo o mundo devem coordenar-se para agir como um punho único contra as tentativas do imperialismo americano de continuar a exercer a sua tutela sobre uma boa parte dos nossos países através dos seus aliados.

Como muito bem disse o Comandante Fidel Castro (1983) no seu tempo:

Nunca foi a submissão resignada ou o derrotismo perante as dificuldades que nos caracterizou. Soubemos enfrentar com sentido de unidade, firmeza e decisão, situações complexas e difíceis nos últimos anos. Juntos fizemos esforços, juntos lutámos e juntos obtivemos vitórias. Com esse mesmo espírito e determinação, temos de estar prontos para travar a mais colossal, justa, digna e necessária batalha pela vida e pelo futuro dos nossos povos.

Esta luta para a qual o Comandante Fidel Castro nos convocou continua em vigor; é a luta contra o capitalismo, contra o imperialismo.

É a luta anti-imperialista em que continuamos empenhados.

Bibliografia

  • Boron, Atilio (2014) Latin America in the geopolitics of imperialism. Ediciones Luxemburg, Buenos Aires.
    • Castro, Fidel (1983) The economic and social crisis of the world. Oficina de Publicaciones del Consejo de Estado, Havana.
      • Harvey, David (2012) “Interview of Atilio Boron at the IV International Meeting of Political Economy and Human Rights”. Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo, Buenos Aires. Available at https://www.youtube.com/watch?v=I_zzbg2Jfcg.
        • Quijano, Aníbal (2000) “Colonialidad del poder, eurocentrismo y América latina” in La colonialidad del saber. CLACSO, Buenos Aires.